História

REPORTAGEM REVISTA ISTO É 6 DE MAIO 1998
Novos lobos-do-mar
Brasileiros de classe média descobrem que velejar ao redor do mundo é um sonho possível
Klink orientou Marcelo na construção do veleiro: sonhos simultâneos
Marcelo em Salvador depois de dois anos ao redor do mundo, e com a namorada, Nícia, no Cabo da Boa Esperança
Com vento a favor e sem alarde, o engenheiro baiano Marcelo Souza, 32 anos, desembarcou em Salvador há 15 dias depois de dois anos e meio de um périplo global a bordo do veleiro Refrega, construído por ele e um sócio debaixo de um coqueiral. Marcelo partiu em março de 1996 com dois amigos. Fez a última etapa da viagem com a namorada, Nícia, e um irmão. Viveram grandes momentos, como cruzar a passagem de datas, uma linha que separa o leste do oeste, onde o fuso horário passa de crescente a decrescente, no caminho para a Nova Zelândia. O Refrega amarrou-se a outros três veleiros e ficaram flutuando juntos numa comemoração em alto-mar.
Era o prenúncio de uma bela temporada. Entre novembro de 1996 e março 1997, os velejadores baianos pararam na Nova Zelândia para se livrar da temporada de furacões no Pacífico. "Foi uma agradável surpresa. Além da beleza natural, os neozelandeses são muito hospitaleiros", conta Marcelo. A parte mais difícil foram as nada amistosas mil milhas de Galápagos (no Equador) até a Nova Zelândia e a passagem do Cabo da Boa Esperança, na África. Outro momento duro foram os 23 dias velejando entre Galápagos e Nuku Hiva, a primeira ilha da Polinésia.
Uma feliz coincidência fez o Refrega ancorar no centro náutico da Bahia há 15 dias ao lado da escuna Horizonte, que está no início de uma volta ao mundo que vai durar cinco ano

Roteiro viagem
Salvador, Natal (RN), Trinidad Tobago, St. Lucia, Virgin Island, Panamá, Galápagos, Fatu Hiva (Polinésia Francesa), Nuku Hiva, Rangiroa, Tahiti, Bora Bora, Aitutaki, Niue, Tonga, Nova Zelandia, Fiji, Austrália, Cocos Island, Ilhas Maurícios, África do Sul, Santa Helena, Salvador

50.000 MILHAS NEVEGADAS
   
  
Na Marina Aratu estava ao longe o casco azul do Refrega (no centro)
 Encontramos o Refrega a venda em Aratu, na Bahia. Consta que foi construido em baixo de um coqueiral pelo Marcelo, cujo sonho era dar a volta ao mundo a bordo de seu veleiro. E deu !!!!
Pronto! Barco comprado. Um veleiro de aço de 34 pés, com muito espaço interno, seguro e dócil pra se velejar (como dizem: uma casinha... rsrs). Era exatamente o que estávamos querendo como “porta de entrada” para o mundo da vela.
Cristina Berringer, tia da minha esposa, foi quem tratou de dar um empurrãozinho quando dissemos que tínhamos de trazer o Refrega de lá. Desde o início, ela vinha nos apresentando amigos que pudessem nos orientar em todas as etapas.
 O plano inicial foi: O Grande Comandante Janjão (veleiro Sweet), Cris, Glaucia e eu fomos para Aratu nos preparar para a travessia. Não deu certo. Em função de compromissos “chatos” (trabalho, etc), tínhamos apenas 15 dias para os últimos preparativos e para a viagem. Porém, pegamos aquela temporada de frentes frias (maio/10) que chegavam forte ao litoral nordestino. Nem chegamos a sair de Aratu.
A segunda tentativa frustrada foi com um skipper local que viajou por cinco dias. Depois de muita manobra e pouco avanço, abortou a viagem julgando que seria arriscada tanto para ele quanto para o Refrega.
Bem...., depois de muitas lágrimas de frustração, considerações e algumas contas, chegamos a conclusão que ao invés de esperar até novembro, segundo disseram seria o melhor período para a nova viagem , resolvemos trazer o Refrega de caminhão mesmo. Nota 10 para a transportadora Transgenic. Para isso, fiz minha primeira velejada solo com o Refrega da Marina de Aratu até a Bahia Marina, em Salvador. Foi a minha melhor e mais "corajosa" aventura.

Entre “mortos e feridos” pudemos aproveitar o Refrega em Paraty no mês seguinte na companhia calorosa dos novos amigos, sem ter que ficar despencando para Salvador pelo menos uma vez por mês, fora outras despesas que teríamos com estadia e a próximo tentativa de travessia.

Chegando aqui pensamos até em mudar o nome do barco. De acordo com o dicionário, Refrega quer dizer: Combater, pelejar; lutar, brigar. Mas não mudamos. No nordeste é um termo que descreve um tipo de vento: Vento tempestuoso ou que sopra às lufadas, sendo, porém, mais fraco que a rajada. É desse significado que gostamos.
Ao final de muito trabalho, enfim pudemos começar a curtir nossa iniciação na vela.